Por Caroline Bagesteiro*
O direito ao esquecimento é discutido há muito tempo em diversos países, tais como Alemanha, Estados Unidos e Reino Unido. No Brasil, ainda que não haja lei especifica, encontra-se positivado na jurisprudência e no enunciado 531 do STJ , com a seguinte justificativa:
Os danos provocados pelas novas tecnologias de informação vêm-se acumulando nos dias atuais. O direito ao esquecimento tem sua origem histórica no campo das condenações criminais. Surge como parcela importante do direito do ex-detento à ressocialização. Não atribui a ninguém o direito de apagar fatos ou reescrever a própria história, mas apenas assegura a possibilidade de discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais especificamente o modo e a finalidade com que são lembrados.
Trata-se de um direito que qualquer indivíduo tem de não querer que determinado fato, mesmo verídico, que tenha acontecido em sua vida, venha a se tornar público e/ou ser lembrado. Apesar de ser um assunto antigo, é muito debatido e discutido atualmente, tendo em vista que vivemos em uma sociedade da informação. Mas será que de fato há um direito ao esquecimento?
Segundo alguns autores, o esquecimento que se anseia não é viável, ainda que através de ordem judicial. O que ocorre é uma remoção ou desindexação do conteúdo. O requerente pode solicitar pela remoção do conteúdo propriamente dito ou apenas que seu nome seja desatrelado.
Com o advento da internet e toda a sua capacidade de armazenamento é possível pesquisarmos notícias e fatos de muitos anos atrás, o que antes só era possível com pesquisas densas em jornais antigos, arquivos históricos e livros.
Com a globalização e a amplificação das redes sociais, a velocidade com que uma foto, vídeo ou até mesmo notícia, se espalha na internet é imensurável. Isso porque, na atualidade, uma foto compartilhada no Brasil pode chegar em segundos para alguém que se encontra na China, por exemplo.
Portanto, mesmo que seja apagada posteriormente, não é possível avaliar o seu alcance e saber se efetivamente ela foi apagada de todos os lugares em que chegou. Juntamente com o avanço da internet e toda a sua facilidade em disponibilizar conteúdo gratuito, vieram as conhecidas fake news (notícias falsas). No presente, qualquer indivíduo consegue postar e compartilhar informações de origens duvidosas e até mesmo falsas, sem que haja, na maioria das vezes, qualquer tipo de punibilidade.
Como bem colocado por Pereira de Souza (2017) , o termo mais adequado para tal situação seria a “desinformação”, tendo em vista que as fake news não se referem apenas a notícias falsas, mas também aquelas notícias incompletas, ou, ainda, fatos verdadeiros que foram totalmente distorcidos pelo emissor a fim de que o receptor tenha conclusões manipuladas por aquele que disponibilizou o conteúdo.
Nesse contexto, a nossa Constituição Federal, em seu Art. 5º prevê: “X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.”
Além disso, já existem também vários projetos de leis que visam a punibilidade daquele que dissemina informações falsas, tais como 471/2018 , 533/20185 , 473/20176 , entre outros.
Assim, pode-se ver que há um projeto de políticas públicas para que cada vez haja menos a disseminação desse tipo de conteúdo, ou melhor, para que haja uma punição para aquele que a disseminou. Mas como o direito ao esquecimento se aplica a isso?
Aquele que teve sua imagem ou honra violada por uma disseminação de fake news, mesmo que recorra à remoção do conteúdo ou à desindexação, jamais será esquecido. Os danos decorrentes lhe perseguirão por um bom tempo ou até mesmo pela vida inteira. É o caso, por exemplo, do influenciador Felipe Neto , que teve seu perfil falsificado com uma mensagem fazendo apologia à pedofilia.
Mesmo com a comprovação do conteúdo falso, a sua simples disseminação fez com que o influenciador tivesse enormes prejuízos, já que o seu público é infantil. A partir da identificação de um conteúdo falso, talvez fique mais evidente a garantia a um direito ao esquecimento.
Acontece que, desde o momento da sua identificação até que ocorra a remoção efetiva do conteúdo, essa notícia/informação pode ter chegado ao outro lado mundo em segundos, devido a velocidade e facilidade da internet. Ainda, para que essa remoção se concretize, muitas vezes se faz necessária a judicialização, o que, além de levar muito tempo, pode resultar o efeito oposto. Isso porque aquilo que está sendo postulado a ser esquecido, pode ser ainda mais lembrado e exposto, como, por exemplo, foram os casos de Bárbara Streisand, da Xuxa, entre outros.
Atualmente, várias plataformas já possuem algoritmos para identificação e remoção desse tipo de conteúdo, mas ainda não são totalmente eficazes, sendo algumas vezes necessário que haja a sinalização ou “denúncia” para que então, sem garantias efetivas, aquele conteúdo seja removido.
Sendo esse o cenário normativo, enquanto não se tenha uma ferramenta legal eficaz, capaz de prevenir, dissuadir e sancionar àqueles que violam a honra, a imagem, a intimidade e a privacidade, mediante a disseminação desse tipo de conteúdo, o direito ao esquecimento pode ser visto como uma mera utopia. Isso porque, a sua tutela só visa garantir a remoção do conteúdo ou desindexação, mas é impossível garantir que ele, de fato, seja esquecido, ao menos não de imediato, por aquele que leu.
--------
BRASIL. Conselho de Justiça Federal. VI Jornada de Direito Civil. Enunciado 531 Disponível em: https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/142.
Acesso em 24.08.2020.
PEREIRA DE SOUZA, Carlos Affonso. Dez Dilemas sobre o Chamado Direito ao Esquecimento. Artigo. Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (2017). Disponível em: https://itsrio.org/wp-content/uploads/2017/06/ITS-Rio-Audiencia-Publica-STF-Direito-ao- Esquecimento-Versao-Publica-1.pdf.Acesso em 24.08.2020.
BRASIL, Constituição (1988). Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
Acesso em 24.08.2020.
BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei do Senado n° 471, de 2018.
Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/134781. Acesso em 24.08.2020
BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei do Senado n° 533, de 2018. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/134952. Acesso em 24.08.2020
BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei do Senado n° 473, de 2017. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/131758. Acesso em 24.08.2020.
BRASIL. Notícia Jornalística. Influenciador digital Felipe Neto é vítima de fake news e de ameaças. (2020).
Disponível em: https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2020/07/30/influenciador-digital- felipe-neto-e-vitima-de-fake-news-e-de-ameacas.ghtml. Acesso em: 24.08.2020.
BRASIL. Notícia Jornalística. O que é efeito Streisand? Fenômeno viraliza 'segredos' de famosos. (2019). Disponível em: https://www.techtudo.com.br/noticias/2019/10/o-que-e-efeito-streisand- fenomeno-viraliza-segredos-de-famosos.ghtml.
Acesso em: 24.08.2020.
BRASIL. Notícia Jornalística. ESQUECIMENTO X INFORMAÇÃO Google não terá que apagar resultado de buscas para a expressão "Xuxa pedófila". (2017).
Publicado originalmente no portal https://migalhas.uol.com.br/depeso/335527/a-utopia-do-direito-ao-esquecimento-e-fake-news
*Caroline Bagesteiro é advogada, membro da equipe Pierozan Advogados, pós-graduanda em Direito Digital.
Комментарии